O cinema e eu


Uma característica predominante entre os cinéfilos é a ansiedade em falar sobre os filmes que assistiu. Una a isso a capacidade verborrágica de alguém que acabou de se formar em Jornalismo e que escolheu a profissão porque ama escrever: aqui estamos. Cine Fronteira

É importante frisar que o blog é uma referência a Wim Wenders, cineasta alemão de brilhantes palavras cujos filmes eu ainda não assisti, apesar de citá-lo à exaustão depois que li seu texto "Cinema Além das Fronteiras", extraído do livro Pensar a Cultura (2013), do projeto Fronteiras do Pensamento. Esse texto dá forma ao que penso sobre os filmes mais fascinantes que já assisti, não porque os filmes não me arrancaram bocejos, todavia certas vezes é preciso garimpar. Certos filmes chatos, passada a primeira hora do tédio sofrido, oferecem os frutos das reflexões propostas por seus realizadores. É o propósito da arte. Nos dar alimento para a alma. E Wim Wenders acredita que os bons filmes estão usualmente apegados ao lugar onde são produzidos.

Mas o crucial nessa primeira comunicação é esclarecer a minha história com o cinema. Confesso que me tornei cinéfilo apenas nos últimos dois anos de vida. Antes disso, eu era um consumidor comum de filmes blockbusters, que se educou em locadoras de VHS e DVD's pirateados. As minhas fugas às Sessões da Tarde e Telas Quentes da vida eram verdadeiros programões em cinemas de shopping e eu não lembro dos filmes excepcionais que vi por conta própria antes de entrar em Jornalismo. Eu estava plenamente satisfeito com a comédia romântica, com a história pastelão, com os musicais da Disney e as animações DreamWorks e Pixar.

Acontece que, na faculdade de Jornalismo, você é invadido por uma avalanche de cultura e poucos passam incólumes. Você adere ao "intelectualismo" seja por osmose, seja por moda, seja porque você precisa se adequar, enfim, a cultura chega para todos mesmo que em doses homeopáticas. Um Tarantino perdido na maré de filmes pirateados na minha casa foi responsável por ativar o meu interesse pelo cinema. Bastardos Inglórios (2009). Assisti sozinho, várias vezes, e descobri conversando com amigos que esse filme foi realizado mesclando vários idiomas e nações, reunindo uma nata considerável de bons atores, oferecendo uma versão pop alternativa ao que conhecemos como Holocausto e Segunda Grande Guerra, além da overdose de sangue tão característica do diretor. Meu primeiro contato com o cinema de autor.

A partir daí, um amigo se comprometeu a me indicar um filme por semana para saciar minha curiosidade. Era a cota. Primeiro Os Excêntricos Tenebaums (2001). Depois veio Donnie Darko (2001), Adeus Lênin (2004) e não parou mais. Esses foram os que eu me lembro. Talvez um interesse rápido por Woody Allen ou coisa assim. Depois veio uma coisa chamada ICheckMovies, uma rede social americana voltada para cinéfilos - eu viria a descobrir um tempo depois que existia o Filmow, uma rede brasileira, de uso mais simples. O fato é que a rede social me instigou a aumentar o número de filmes assistidos. Comparado com o meu amigo, eu tinha uma quantidade infinitamente menor de filmes checados no ICheckMovies e isso me deixava angustiado. Não por inveja, mas porque eu queria realmente ter mais dimensão desse universo.

Comecei buscando completar diretores de nome como Stanley Kubrick, François Truffaut, Alfred Hitchcock, Martin Scorsese, Charlie Chaplin e o próprio Tarantino. Depois vieram os filmes concorrentes do Oscar e segue-se outra maratona. Completar listas se tornou um dos meus passatempos preferidos e, hoje, utilizando frequentemente o Filmow, estou beirando os 700 filmes assistidos. Primeiro você apenas assiste e comenta rapidamente com alguém. Depois, comentar não é o bastante, você convida alguém para assistir junto. Uma hora você começa a avaliar os filmes, postar nas redes sociais que está curtindo. Quando menos espera, está escrevendo sobre eles, pensando os filmes por conta própria.

Pensar os filmes é uma tarefa árdua. A internet está repleta de pessoas com amplo repertório, seja de filmes ou de habilidade crítica, para trazer uma leitura perspicaz sobre o que se vê na grande tela. A chance de você cair no lugar comum é altíssima. A própria internet é responsável pela amplificação da quantidade de filmes disponíveis e potencializa a difusão desses filmes (com notícias, trailers e outros links) e dos fóruns de discussão. A internet faz os filmes acontecer de uma maneira diferente. Eu mesmo, durante muito tempo, não podia dizer que vi o filme sem antes ter lido críticas e comentários sobre o mesmo na internet. A rede mundial tornou a cinefilia uma mania complicada de se cultuar. 

Mas não é o narcisismo que vai dar o tom das leituras que aqui se fazem. Não sou capaz de fazer considerações iguais às dos meus colegas da internet. O portal Cineplayers, por exemplo, durante muito tempo foi minha fonte única de leituras sobre filmes que eu não compreendia ou que precisava de um segundo ponto de vista. E essa multiplicidade de olhares que eles trazem, uns mais inocentes, outros mais penetrantes, tornava a aventura de ler um filme realmente edificante. Não era apenas divertimento, mas sim lição de vida.

É aqui que chegamos ao ponto crucial da minha relação com o cinema. Por estar na condição de estudante durante muito tempo, infelizmente considerei que pagar psicanálise fosse algo caro para mim. A minha opção para resolver as neuroses é o cinema. Posso estar falando bobagem, mas já vi o historiador Leandro Karnal me dizer em pessoa que é fã da "terapia literária". "Eu sou uma pessoa melhor por ter lido Shakespeare". Eu concordo, Karnal, embora não tenha lido Shakespeare. Mas também me considero uma pessoa melhor por ter lido George Orwell e Gabriel García Márquez.

Por conseguinte, me considero uma pessoa melhor por ter visto a miríade de filmes que vi. E aí vamos dos mais clichês, como O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) e Titanic (1997), a filmes extremamente herméticos como Adaptação. (2002) ou Holy Motors (2012). Não vou usar esse blog para falar sobre filmes do circuito, meramente, ou para extrair ouro de filmes consagrados na crítica. Quero antes dividir com vocês, sejam que for, a minha impressão e a minha visão sobre filmes, sobre cenas de filmes, sobre ideias que emanam dos roteiros, da personalidade dos personagens, do passeio etnográfico que podemos realizar ao contemplar a sétima arte.

É uma postura de imersão, de vênia, de admiração e de contemplação. Quando ouço uma música que considero ruim, eu arrisco considerar as palavras que alguém quis dizer com aquela música. Tento apreender a mensagem. E retiro alguma coisa para mim de lá. O mesmo acontece com o cinema. Frequentemente, embora a crítica massacre o filme e as pessoas repudiem uma película que alguém passou anos para construir, eu costumo garimpar a mensagem que o autor quis passar. Não como obrigação, mas, se você completa um filme, você é tentado a tirar suas conclusões, a inferir leituras do enredo, dos personagens e suas condutas. 

É com essa missão que apresento o Cine Fronteira. No sentido de compartilhar visões de mundo que emanam da sétima arte. Não quero me delongar nos próximos textos como me demorei aqui. Mas considerem-se convidados a dividir comigo alguns minutos de atenção e que, dos meus textos, nasçam ao menos pulgas atrás da orelha. O cinema e a vida andam de mãos dadas, porque é comunicação, diálogo, imagem e som com vida. Por isso, tragam suas inquietações!

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