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"O Insulto" é a expressão geopolítica do ódio no mundo contemporâneo

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O longa-metragem libanês “ O Insulto ” (2017), do diretor Ziad Doueiri, chegou até mim como um dos concorrentes à premiação de melhor filme estrangeiro do Oscar, cujo argumento detinha bastante apelo político, principalmente se levarmos em conta o contexto recente de conflitos bélicos na Síria . Nesse contexto, seu êxito enquanto produto cultural dependia de uma prova difícil, uma vez que seus adversários traziam temas de peso, a exemplo do vencedor, “ Uma Mulher Fantástica ” (2017), que abordou a questão LGBT. Mas, no meu entender, sua mensagem se sobrepõe, transborda. Antes de assisti-lo, já tinha alguma simpatia pelo assunto, pela ideia simples do seu argumento. Mas hoje, vendo de fato o teor da sua dramaturgia, considero o título libanês como um dos filmes mais importantes dos últimos anos. Com o didatismo próprio daqueles que têm poucas oportunidades para contar a sua história ao Mundo, O Insulto nos convida a refletir sobre as divisões que o Mundo hodierno carrega de

Sonhos que nos definem

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Hoje cedo eu vi um post de Facebook na página “Pseudo Cinéfilos” falando que “somos feitos de 95% dos filmes que assistimos”. Achei curioso e compartilhei, embora não saiba bem a procedência dessa porcentagem, que parece mais coisa de aficionado. Mas o conceito em si fez muito sentido pra mim, que sempre me questionei pra onde vai aquela torrente de informação que a gente apreende quando vê um filme ou lê um livro. Certamente, há filmes que são capazes de modificar o nosso modo de ver o mundo, que moldam nossa personalidade ou se tornam hinos de momentos memoráveis de nossa vida. No meu perfil do Filmow eu separei alguns filmes favoritos que preenchem bem essa categoria de moldes para a vida, histórias de formação. Um exemplo forte é Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (2004), que se encaixa na esfera dos “filmes queridos”, porque simboliza parte da minha personalidade, uma época da minha vida que se comportou tal qual o enredo complicado do filme de Michel Gondry

"Encontros e Desencontros" e o resgate do encantamento

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Encontros e Desencontros  (2003), de Sofia Coppola, é um filme que deve ser assistido nesses tempos de amor líquido. Mais do que isso: é um filme para ser sentido. Apesar de delicado, é uma estória de muitas pretensões, falando de amor e humanidade. Gosto dele porque, entre outras intenções, oferece o propósito de rejeitar o superlativo.  Encontros e Desencontros  nos permite redimensionar os afetos numa era em que o sentimento é tratado com a mesma métrica consumista de  big  sanduíches, iPhones multitarefas, glamour de redes sociais com milhões de seguidores. Imagens superlativas para agradar os olhos. Consumir muito e reter pouco. Sinopse : Um ator solitário e de meia idade chamado Bob Harris (Bill Murray) e uma recém-casada, Charlotte (Scarlett Johansson), se encontram em Tóquio enquanto Bob filma um comercial e Charlotte acompanha seu esposo, um fotógrafo de celebridades. Estranhos em uma terra estrangeira, os dois encontram distração, fuga e compreensão entre as luzes de

O cinema vai te contar algo que você não sabe

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Como aprender com o cinema sem se tornar o chato dos filmes? É uma pergunta que me faço frequentemente, pois a minha maior tentação, ao chegar nos créditos, é correr para contar como foi bom ter assistido tudo aquilo, falar da fotografia maravilhosa, daqueles planos-sequência realistas, dos efeitos especiais fantásticos, de como as atuações me convencem e de como o roteiro é fascinante. É difícil resistir àquela vontade de rasgar elogios ao diretor e quase impossível conter o nosso ego brilhando ao ter assistido e gostado de um longo e difícil Munique (2005), de Steven Spielberg. Mas, num primeiro momento, é fundamental resistir a esse desejo incessante de tagarelar sobre cinema, pois quando falamos sobre cinema, não passamos a nossa experiência para os outros da mesma forma como apreendemos ela vendo o filme propriamente. Esse é o ponto. O cinema é a arte de nos transportar para “sonhos reais”. O cinema é o instrumento capaz de dar forma àquelas ideias que temos do

Ditadura do casamento: um mundo de fanáticos

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Se O Lagosta (The Lobster, 2015) fosse um quadro, os amantes de artes plásticas contemplaríamos uma imagem curiosa e singular. O grego Yorgos Lanthimos, autor e realizador dessa história, tem uma mão incontestavelmente original. O filme fala sobre a presença do indivíduo no mundo e sobre o incontornável. Abstrato, subjetivo e excêntrico são alguns dos adjetivos que podem conceituar a alegoria de Lanthimos, que abarca, num só enredo, reflexões sobre ditaduras e casamentos. Saiba, antes de tudo, que é um filme belo, que lhe agradará os sentidos, mas que lhe deixará de cenho franzido, pois, por mais estranha que a metáfora pareça, você sentirá que praticamente vivemos nela. Um mundo de fanáticos. Em um futuro próximo, uma lei proíbe que as pessoas fiquem solteiras. Qualquer homem ou mulher que não estiver em um relacionamento é preso e enviado ao Hotel, onde terá 45 dias para encontrar um/a parceiro/a. Caso não encontrem ninguém, eles são transformados em um animal de

Por que a professora de piano frequenta cinema pornô e bate na própria mãe

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A realidade, dada a sua natureza revolta, é feita de certa repetição. Talvez se usássemos trilha sonora na vida real, as melodias do piano, repetitivas ou anárquicas, dariam cor à nossa vida. A rotina é a disciplina que doma a vida. É assim que se parece a minha primeira leitura do filme A Professora de Piano (2002), dirigido pelo virtuoso diretor austríaco Michael Haneke. Isabelle Huppert é a pianiste Erika Kohut, que dá aulas num conservatório de alto nível em Viena para jovens musicistas. Erika frequenta cinemas pornográficos e sex shops para escapar da influência de sua mãe dominadora. Tudo muda quando um de seus alunos se propõe a seduzi-la. É desafiador tratar aqui no blog sobre um filme de Haneke. Chamá-lo de virtuoso seria um ponto fora da curva, eu diria, já que ele é costumeiramente denominado louco, perverso, um diretor que gosta de chocar. Mas eu diria que Haneke é o diretor que tem excelência em furar as aparências, em penetrar o âmago do ser humano, em des

Anomalisa: um estudo social sobre o amor fugaz

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Como seria uma história em animação contando a vida dos adultos? Por que ninguém havia pensado isso antes? Foi a minha inquietação quando eu descobri  Anomalisa  (2016, drama/romance), o filme mais recente do meu querido e excêntrico roteirista Charlie Kaufman. Demorei algum tempo para assisti-lo, me perdi no meio do caminho contemplando  Sinédoque, Nova Iorque  (2008, primeira direção de Kaufman), um drama subestimado pelo público e crítica sobre um dramaturgo que intenta realizar um espetáculo megalomaníaco sobre sua própria vida. Acho interessante que, muitas vezes, o impulso criativo de Kaufman é o mais honesto possível com o seu público: nós só podemos falar sobre o que vivemos e  compreendemos. Provavelmente, é mais fácil falar sobre si mesmo. É terapêutico, na verdade. Anomalisa , como o próprio título sugere, é uma estória incomum. Não é apenas uma animação adulta, é um  stop motion . O desafio é duplo, você transpor um roteiro para um universo sem vida e ainda consegu